terça-feira, 1 de junho de 2010

Fé na Estrada

Em 2003 o escritor Dôdo Azevedo e a fotógrafa Luiza Leite resolveram refazer a rota que Jack Kerouac fez antes de escrever On the Road pra ver o que permanecia daquela época num Estados Unidos pós 11 de Setembro. Enfrentaram muitas descrenças e descobriram muitas crenças.

Quem já leu o livro de Kerouac sabe que o conteúdo é muito bom mas sinceramente o texto foi muito lisérgico pra mim. Mesmo após várias xícaras de café às vezes necessitava reler algumas passagens, ou colocar o dedo em algum trecho, para poder retomar o fôlego e conseguir ler o restante das recorrentes três páginas ininterruptas sem pontuação. Isso que não posso criticar Jack Kerouac pois eu por muitas vezes cometo o mesmo "erro" ou "costume" estando de cara, imagina o que um cara cheio de anfetaminas pode fazer.

Mas voltando ao projetos dos brasileiros, depois de sete anos surge "Fé na Estrada"; livro que será lançado em breve.

Veja o booktrailer e um trecho da obra.



Se me perco, não me encontro mais. São 9 horas da noite e a calçada da Broadway, na altura do número 800, ainda está quente. Sei disso porque minha bunda está na calçada, de novo. Bunda onde deveria estar o pé, de novo. Bob, ou Will, ou Bill, enfim, um dos balconistas da imensa livraria Strand, pergunta se estou bem. Sensacional, repito a resposta. Estava sendo sincero. Morri e fui para o paraíso. Uma livraria sem fim. Livros velhos e esquecidos. Livros perdidos. Depois de manjericão seco e azeite extra virgem, a coisa que eu mais gostos são livros. Tenho um fraco especial por livros perdidos. O senhor está bem? Os seus livros estão separados, um momento, vou buscá-los. Bill, Will ou Bob voltou com seis sacolas pesadas, cheias de livros perdidos pelos quais eu havia perdidamente me apaixonado. E comprado. E iria comprar mais, se o calor e o abafado não me tivessem feito desmaiar. Will, Bob ou Bill despediu-se de mim com um sorriso e uma saudação judaica. Ele havia ganhado uma gorjeta polpuda, dei a ele duas notas de 50 dólares. Bob Will Bill não iria mais esquecer deste grande brasileiro de gosto refinado, mão aberta, alma generosa, apreciador de livros perdidos. Levantei com as sacolas e antes de deixa Bob Bill partir, pedi-lhe um cigarro. Pus-me a caminhar com o cigarro aceso na boca e as mãos cheias de livros pesados e perdidos. Tudo o que é perdido é pesado. Bobagem, tudo o que é perdido é leve. Então os livros, de repente, ficaram leves. Na hora de decidir em que direção iria, tomei uma rápida e óbvia decisão - caminhar no contrafluxo do trânsito. Caminhava na calçada da direita, em direção a 14th St, passei pelo Regal Cinema Metro 4, mentalizei tenho que ver esse e aquele filme quando voltar ao Brasil e parei numa barraquinha de kebabs. Eu não fazia ideia do que era um kebab, mas a gente não faz ideia de tanta coisa nessa vida que uma dúvida a menos não faz mal. Pedi um kebab para um vendedor que eu podia apostar que entenderia "eu quero um kebab" até se fosse pedido em sânscrito. A Jerusalém do século XXI. Enquanto ele preparava o kebab, botei a mão na carteira. Sem dinheiro. Bom, eu havia levado para Nova Iorque 300 dólares. Cartões de crédito e traveler cheques havia deixado com minhas coisas em Boston, para não correr o risco de perdê-los na cidade grande. 100 dólares eu havia dado para o prestativo vendedor Bob Bill. Os outros 200 haviam, agora eu percebia, sido transmutados em livros perdidos na minha sacola. Não havia um dólar no meu bolso. Eu estava finalmente perdido e sem grana na maior cidade do mundo. A viagem havia terminado.

Fonte: OGlobo

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